Legends

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quinta-feira, 2 de junho de 2016

As gotas escorrem,
esquece a toalha, ela não tá embaixo da casa.
Usa o vestido quando sair.
Se usa o sujo pra enxugar o que nunca pode ser limpo.

As gotas escorrem, são pingos por pingos.
Pingos dançam numa ampulheta.
Eles são a contagem do tempo.
O banho então é técnica de tortura.

As gotas escorrem, pingos por pingos, é terapia, tortura terapia.
Cada peso da água em cada vértebra do torso nu.
O tronco abaixa, as gotas espalmam a coluna.
pingos por pingos, vão pesando como um chicote.

As gotas escorrem, desenham as veias,
é hora da terapia da queda d´água no cotovelo.
Espalmam as veias, fazem sangue correr, o banho tortura, a tortura terapia banho.

As gotas escorrem, os cabelos molham
endurecem na vergonha de tê-los tão maltrapilhos.
A água corre, enxarca o machucado.

As gotas escorrem, chegou a hora.
Elas rasgam a pele, fazem arder a ferida.
O que era pó tornou-se carne, e precisa tornar-se pó novamente.
Se usa o sujo pra enxugar o que nunca pode ser limpo.

O ardor se faz feliz, a dor é boa.
A dor é persistente, ela faz o cérebro desfocar.
Ela quer a água torrando seu machucado, ela quer que ele arda muito.
cada parcela das células que o formam. Essas que do pó tentam se erguer.
Ela não quer que se erga.
Ela quer que a dor continue.
Ah, dor.
A vazão da água, direto na dor.
A dor é boa, a dor pelo menos é vazia.

Ela está triste, as gotas escorrem.
A dor ficou por tanto tempo, que o tempo passou e a dor foi embora.
A dor é efêmera.
Ela a quis para curar-se da tristeza.
Mas o tempo passou e a dor foi embora.
A dor é efêmera.
Que tristeza.

As gotas escorrem, cada pingo é uma pancada.
A dor era boa, mas agora seus músculos suportam-na e já não é mais dor.
É conforto.

As gotas escorrem, o amargo gosto doce do ardor da ferida ainda está na boca.
É saboroso, é gostoso.
Os músculos relaxam.
As coxas trêmulas dela perdem as forças.

A dor foi tão boa.
A dor se foi.
O que era pó virou carne.
A água restaurou tudo. Não sobrou nada.

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